segunda-feira, 20 de março de 2017

OS ARGUMENTOS MORAIS EM FAVOR DA DEIDADE





Bertrand Russel


.

Chegamos, agora, no estágio subsequente do que eu denomino a descendência intelectual que os teístas tem feito em suas argumentações, e deparamo-nos com o que se chama de argumentos morais para a existência de Deus.

Vós todos sabeis, por certo, que costumava haver, antigamente, três argumentos intelectuais a favor da existência de Deus, os quais foram todos utilizados por Immanuel Kant em sua Crítica da Razão Pura; mas, logo depois de haver utilizado tais argumentos, inventou ele um novo, um argumento moral, e isso o convenceu inteiramente.

Kant era como muita gente: em questões intelectuais, mostrava-se cético, mas, em questões morais, acreditava implicitamente nas máximas hauridas no colo de sua mãe. Eis aí um exemplo daquilo que os psicanalistas tanto ressaltam: a influência imensamente mais forte de nossas primeiras associações do que das que se verificam mais tarde.

Kant, como digo, inventou um novo argumento moral quanto à existência de Deus, e o mesmo, em formas várias, se tornou grandemente popular durante o século XIX.

Tem hoje toda a espécie de formas. Uma delas é a que afirma que não haveria o bem ou o mal a menos que Deus existisse.

Não estou, no momento, interessado em saber se há ou não uma diferença entre o bem e o mal. Isso é outra questão.

O ponto em que estou interessado é que, se estamos tão certos de que existe uma diferença entre o bem e o mal, nos achamos, então, na seguinte situação:

É essa diferença devida à determinação de Deus ou não? Se é devida à vontade de Deus, então não existe, para o próprio Deus, diferença entre o bem e o mal, e não constitui mais uma afirmação significativa o dizer-se que Deus é bom.

Se dissermos, como o fazem os teólogos, que Deus é bom, teremos então de dizer que o bem e o mal possuem algum sentido independente da vontade de Deus, porque os desejos de Deus são bons e não-maus independentemente do fato dele os haver feito.

Se dissermos tal coisa, teremos então de dizer que não foi apenas através de Deus que o bem e o mal passaram a existir, mas que são, em sua essência, logicamente anteriores a Deus.

Poderíamos, por certo, se assim desejássemos, dizer que havia uma deidade superior que dava ordens ao Deus que fez este mundo, ou, então, poderíamos adotar o curso seguido por alguns agnósticos – curso que me pareceu, com frequência, bastante plausível –, segundo o qual, na verdade, o mundo que conhecemos foi feito pelo Diabo num momento em que Deus não estava olhando.


Há muito que se dizer em favor disso, e não estou interessado em refutá-lo.


domingo, 19 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO QUANTO A REPARAÇÃO DA INJUSTIÇA



Bertrand Russel



Há uma outra forma muito curiosa de argumento moral, que é a seguinte: dizem que a existência de Deus é necessária a fim de que haja justiça no mundo.

Na parte do universo que conhecemos há grande injustiça e, não raro, os bons sofrem e os maus prosperam, e a gente mal sabe qual dessas coisas é mais molesta; mas, para que haja justiça no universo como um todo, temos de supor a existência de uma vida futura para reparar a vida aqui na Terra.

Assim, dizem que deve haver um Deus, e que deve haver céu e inferno, a fim de que, no fim, possa haver justiça. É esse um argumento muito curioso.

Se encarássemos o assunto de um ponto de vista científico, diríamos: “Afinal de contas, conheço apenas este mundo. Nada sei do resto do universo, mas, tanto quanto se pode raciocinar acerca das probabilidades, dir-se-ia que este mundo constitui uma bela amostra e, se há aqui injustiça, é bastante provável que também haja injustiça em outras partes”.

Suponhamos que recebeis um engradado de laranjas e que, ao abri-lo, verificais que todas as laranjas de cima estão estragadas. Não diríeis, em tal caso: “As de baixo devem estar boas, para compensar as de cima”. Diríeis: “É provável que todas estejam estragadas”.

E é precisamente isso que uma pessoa de espírito científico diria a respeito do universo. Diria: “Encontramos neste mundo muita injustiça e, quanto ao que isso se refere, há razão para se supor que o mundo não é governado pela justiça.

Por conseguinte, tanto quanto posso perceber, isso fornece um argumento moral contra a deidade e não a seu favor”.

Sei, certamente, que os argumentos intelectuais sobre os quais vos estou falando não são, na verdade, de molde a estimular as pessoas.

O que realmente leva os indivíduos a acreditar em Deus não é nenhum argumento intelectual. A maioria das pessoas acredita em Deus porque lhes ensinaram, desde tenra infância, a fazê-lo, e essa é a principal razão.


Penso, ainda, que a seguinte e mais poderosa razão disso é o desejo de segurança, uma espécie de impressão de que há um irmão mais velho a olhar pela gente. Isso desempenha um papel muito profundo, influenciando o desejo das pessoas quanto a uma crença em Deus.

PALESTRA COMPLETA