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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DELÍRIOS RELIGIOSOS

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Uma discussão contemporânea sobre os delírios religiosos




“A ilusão religiosa é a mais implacável e a mais tenaz, ela vincula uma pulsão e está próxima aos delírios psiquiátricos" (Freud, 1927)







Desde que há homens e que eles pensam, idéias religiosas permeiam a maioria das mentes, fazendo com que as questões de ordem religiosa acompanhem a humanidade ao longo de toda a sua história. Elas estão presentes nas perseguições da inquisição, nas guerras religiosas, em disputas políticas, entre outros. Estes temas são explorados nas telas dos cinemas desde a invenção deste e na literatura em geral, como no grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, cuja obra questiona a existência do Diabo. Portanto, dentre as inúmeras formas de expressões psíquicas, me proponho a investigar aquelas que se referem às manifestações psicológicas delirantes de temática religiosa, isto é, os delírios religiosos.

Aqui é importante esclarecer, os próprios delírios religiosos mudam ao longo do tempo, mas, além disso, mudam também as concepções. Apresentarei três: uma concepção na antiguidade; uma leitura da psiquiatria do sec. XIX; e outra do século final do sec. XX e início do XXI. Primeiramente na antiguidade, todas as superstições, ou seja, tudo aquilo que não fosse da religião “oficial”, sob certas condições, tornavam-se verdadeiras ilusões e delírios. Já para os autores da psiquiatria moderna o delírio religioso não é apenas um sintoma. Este constituía uma patologia à parte, a “mania religiosa”, devido a sua consistência e sua tamanha complexidade. 

Hoje, os delírios religiosos são considerados como um sintoma, sendo que a presença de um delírio de conteúdo religioso preenche critérios do DSM-IV para transtorno delirante ou parte do critério A para esquizofrenia constituindo um quadro Psicótico, e caracteriza-se pelo seu conteúdo espiritual, místico ou religioso, com a presença de alucinações visuais e auditivas, podendo ocorrer de forma individual ou coletiva, ocasionando no pior dos casos: o assassinato, suicídio e a automutilação. Estes delírios podem ser combinados com outros delírios, como delírios de grandeza (a crença de que a pessoa afetada foi escolhida por Deus, por exemplo), os delírios de controle ou delírios de culpa. 

Pensemos em alguns acontecimentos históricos onde este sintoma aparece, por vezes em forma de delírio epidêmico¹, como no episódio de Canudos, liderada pelo místico Antônio Conselheiro, que acreditando em uma terra santa constrói um povoado, ou no caso do grande líder religioso nordestino Padre Cícero do Crato (e de sua Juazeiro), este era autor de muitos milagres, ou Jacobina Mucker que liderou o movimento messiânico em São Leopoldo(RS), esta era acometida por transes espirituais, nos quais obtinha poder de cura, sendo considerada por todos como um “cristo feminino”, ou mesmo Joana D`arc que tinha visões e se dizia enviada para liderar os exércitos Franceses. Também cabe citar o caso norte-americano de Charles Manson, o qual se glorificava de ser a personificação do Mal, e que realizou, na noite de 9 de agosto de 1969, o assassinato da atriz Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski, autor do filme sobre a presença do Diabo na nossa sociedade (O bebê de Rosemary, 1968). Atribuiu-se a Charles cerca de 50 crimes similares, pois este induzia pessoas a cometerem crimes, hoje ele tem um lote de fãs que ostentam orgulhosamente camisetas com sua imagem, incluindo o músico gótico Mariliyn Manson, que tem composição inspirada em Charles Manson.

Quanto a nossa pergunta norteadora, de forma geral, a literatura nos fala que existem vários modos de distinguir experiências psicóticas de experiência religiosa normal. Lukoff (1985) e Pierre (2001) afirmam que para que as crenças ou as experiências religiosas sejam patológicas, precisam prejudicar a capacidade de a pessoa desempenhar suas atividades diárias. Se o desempenho social ou ocupacional não for prejudicado, então a crença ou experiência religiosa não será patológica, pois, a pessoa psicótica terá dificuldade em estabelecer a relação com outras pessoas no seu ambiente social ou religioso, principalmente porque apresentará outros sintomas da doença psicótica que prejudicarão sua habilidade de se relacionar com os outros. Exemplos de problemas no desempenho são perda da capacidade de manter um emprego, problemas legais com a polícia ou por não conseguir realizar suas obrigações, comportamentos ou ameaças suicidas ou homicidas e dificuldades de pensar com clareza.

Há, então, um certo consenso geral de que critérios específicos existem e podem ajudar a distinguir a pessoa mentalmente doente com psicose da pessoa religiosa e devota que tem experiências místicas. A pessoa religiosa tem insight na natureza extraordinária dos seus relatos, normalmente faz parte de um grupo de pessoas que compartilha as suas crenças e experiências (culturalmente apropriado), não tem outros sintomas de doença mental que afetem o processo de seus pensamentos, é capaz de manter um trabalho e evitar problemas legais, não causar danos a si mesma e, normalmente, tem resultado positivo com o passar do tempo.

Embora existam modos, assim descritos na literatura, para um efetivo diagnóstico, me questiono se isto realmente é suficiente, pois acredito que seja muito mais difícil, em alguns casos, distinguir crenças de experiências psicóticas das não-psicóticas, pois os estados psicóticos e místicos podem ter tantas sobreposições que seja difícil distinguir um do outro. Assim, Dalagarrondo (2008) nos alerta que “(...)não existe um limite nítido, e que isto também depende da cultura e das idéias prevalentes, sendo difícil distinguir as crenças religiosas culturalmente sancionadas² de sintomas psicóticos, pois os delírios religiosos existem em um continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas de pacientes psicóticos(...)”. 

Assim, a cultura também pode contribuir para sintomas patológicos, como mostram estudos recentes que analisam a influência que variáveis socioculturais exercem sobre a freqüência, constituição e as formas de manifestações das diversas síndromes psicopatológicas. Desta forma, Dalgalarrando (2008) nos apresenta algumas síndromes “culturais” Brasileiras; estas seriam as Obsessões ou “estar obsedado ou obsididiado” cujo grupo afetado são os espíritas Kardecistas e grupos de religiões afro-brasileiras.(2008,p.389). A partir disto gostaria de levantar a possibilidade de que mesmo o sujeito não possuindo outros sintomas para o diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno delirante, este ainda pode possuir um delírio místico-religioso, pois considero que alguém que diz ouvir espíritos já se encontre, em alguma medida, em um estado sintomático/patológico. Por isso, acredito que estas informações, que Pierre(1995) e Luckof(1985) nos colocam sejam insuficientes para o contexto atual.

Sendo assim julgo que estamos dando pouca atenção para um tema muito delicado, estamos olhando pouco para o delírio religioso e sua dimensão na contemporaneidade, esquecendo-nos do tamanho que esta pode alcançar. Não é sem motivo que a cada dia vemos a expansão do número crescente de pessoas recorrendo ao exorcismo, o fenômeno cresce tanto que o Instituto Sacerdos Pontificio Regina Apostolorum (a universidade do vaticano) e o Grupo de pesquisa e Informação Sócio-religiosa (GRIS) decidiram montar um curso intitulado “Exorcismo e oração de libertação”, esta é uma das respostas do vaticano frente ao aumento dos “endemoniados”. São pessoas dizendo-se possuídas pelo demônio, provocando automutilações, suicídios e assassinatos, como o grupo Beasts of Satan, que teve dois integrantes condenados por três rituais assassinos. Assim, o filme “O Ritual” que teve estréia no Brasil em fevereiro de 2011, também demonstra a crescente preocupação da igreja em atender esta demanda que aumenta a cada ano. 

Sugere-se, portanto, um avanço nas pesquisas em torno dos delírios religiosos, tanto individuais, quanto epidêmicos, a fim de que possamos expandir nosso campo de saber, e assim, modificar/criar novas formas de diagnóstico/classificações, pois trata-se de um tema complexo e que apesar de todos os estudos, ainda cabe a ciência fazer um novo movimento. Desta forma, o objetivo deste estudo não é somente fazer uma apresentação dos delírios de temática religiosa, mas levantar hipóteses, suscitar questionamentos e despertar novas discussões.

Sugestão: Leia também um estudo quantitativo

1. Este termo foi utilizado no séc. XX por C. Almeil, este estudou as epidemias no de ordem religiosa. Hoje esta definição não possui classificação em nenhum manual de diagnóstico. Utilizarei esta definição, uma vez que julgo o termo adequado para o presente estudo.

Referências

Harold G. Koenig (2007).Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos . Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 95-104.Ed.Escala.

Alvarado C.S. et al.(2007). Da possessão ao delírio . Rev. Psiq. Clín; 34 ( supl ): 42-53.Ed.Escala.

Dantas, Clarissa de Rosalmeida; Pavarin, Lilian Bianchi; Dalgalarrondo, Paulo. (2008) Sintomas de conteúdo religioso em pacientes psiquiátricos. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.21 n.3 São Paulo Sept. 1999

Dalgalarrondo, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre : ArtMed, 2008. 440 p.

Freud, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Porto Alegre : L&PM, 2010. 139 p.

Dalgalarrondo, Paulo. (2007).Estudos sobre religião e saúde mental realizados no Brasil: histórico e perspectivas atuais. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 suppl.1 São Paulo.

Modólo, Heloisa Mara Luchesi (2006). Delírios religiosos e a estruturação psíquica: O caso Jacobina Mucker-Uma releitura fundamentada na psicologia analítica. São Paulo.

Cambuy, Karine.(2006). Psicologia Clínica e Experiência Religiosa. Rev. De Estudos da Religião. Vol.3, p.77-94.

Historia Viva. Grandes temas:sob a sombra do Diabo nº 12, 2009, Sp.

Dupain (1888) . Clínica de estudo no delírio religioso. [1]

Maria Danielle Figueira Tavares

Enfim, a fobia talvez seja o modo de manterem as coisas no lugar, enquanto o cognitivo , o emocional e a libido se reequilibram. 



Leitura Sugerida

RELIGIÃO E EPILEPSIA